quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Há momentos para tudo

Há momentos para ficar afastado, momentos para desviar o olhar. Há momentos para baixar a cabeça. Para ir em frente com o seu dia. Há momentos para usar batom, momentos para enrolar o cabelo. Momentos para fazer compras na avenida. Para encontrar o vestido certo para se usar

Há momentos para fugir, momentos para beijar e sair comentando. Há momentos para cores diferentes, nomes diferentes que você acha complicado escrever. Há momentos para a primeira comunhão. Há momentos para voltar-se a Meca. Há momentos para ser miss.

Você diz que o rio encontra seu caminho para o mar. Além das fronteiras e dos desertos você diz que, como o rio, semelhante ao rio, o amor virá. Amor. E eu não consigo mais rezar de forma alguma. Não consigo mais ter esperança no amor de forma alguma.

Há momentos para amarrar fitas. Momentos para árvores de Natal. Há momentos para arrumar a mesa. Há momentos quando a noite está congelante.

Edição e Tradução livre de Miss Sarajevo, do The Passengers.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Crônicas hedonistas: perda

Separar é estranho. Na verdade, não é a perda que é estranha e sim a ausência. Nos casamentos, amizades, ou qualquer outro tipo de relacionamento, se separar do outro se assemelha a morte. A diferença é que o outro permanece vivo! Isso mesmo. Alguém que você compartilhou a sua vida, teve filhos, fez planos, dividiu segredos, teve alegrias e tristezas, em alguns casos, de uma hora para a outra, desaparece.

A morte psicológica é usada nos consultórios como estratégia para o desprendimento do eu para com o outro. É compreensível. Curtir o luto, sentir as dores da ausência. "Enterrar o outro". Tudo isso serve como exercício de desprendimento, mas, no fim das contas, o sujeito ausente continua vivo! E se ele surgir na rua, cruzar com você no restaurante? Seria um morto-vivo? Reencarnou no mesmo corpo? Clonagem?

Essas "muletas psicológicas" são discutíveis, pois dão a impressão ao sujeito de poder conviver com a perda do outro. Não a perda da morte e sim da separação. Nesses casos, enterrar o outro é o mesmo que escondê-lo no armário. Poupa o sujeito de lidar com o inevitável: dói, deixa cicatrizes e muda a forma de visualizar as coisas. Isso se chama subjetividade. Todos somos recheados de aspectos que nos formam enquanto sujeitos, incluindo ai as cicatrizes, angústias, tristezas, separações, traumas, descontentamentos e temos que conviver com isso, queiramos ou não. Quem não esta afim de compartilhar essas coisas viva em um bunker sozinho ou vá morar na lua. Tanto faz.

No fim, lidar com a ausência é lidar com nós mesmos. Com os nossos egoísmos, fraquezas, fragilidades, incapacidades. Olhar pra si e visualizar as limitações. Com esses pontos não podemos colocar o pescoço dentro de um buraco ou mesmo fazer um funeral. Não há como correr. Ter que lidar se faz necessário. É uma questão vital.

Como já diziam os gregos, cuidar de si mesmo é cuidar do outro. É preservar os outros que permanecem em nós. Cultivar as suas lembranças e aquilo que deles nos fizeram Eu.


Já arrumei os livros e joguei fora os papéis que não interessavam mais.
Limpei o quarto, lavei o banheiro e o carro.
Muita leitura: poesia, alta gastronomia, letras e sociologia.
Comprei camisa, relógios, livros.
Muito sono.
Redes sociais já não servem de nada.
Ando tendo excesso de tudo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cidade

Imagem: Paris, autor desconhecido.


Sinto uma atração pelas cidades. Passar férias pra mim não é escapar pra algum lugar distante de gente, de barulho e da rotina das cidades. É o oposto disso tudo. Beber a cidade. Sentir a cidade. Ficar deslumbrado com as suas luzes e achar interessante o fluxo dos carros e dos pedestres. Viver e respirar as cidades. Ver deslumbramento em suas cores e em suas nuances. Ser engolido e se deixar digerir por ela.


Obs: sexta tem nova postagem. Continuação das crônicas hedonistas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A rua



As ruas são feitas de partes. Partes que a formam. Pedra, cal, cimento. Partes que a formam como rua.

As ruas são arestas de nós. Nós deixamos uma parte de nós na rua. Nela partilhamos afetos, andamos em máquinas e destilamos o nosso amor e o nosso ódio de cada dia.

A rua nos leva e nos trás. Nos faz imaginar relações possíveis e incompletas com aquilo que está por baixo, incrustado sob o caminho formado por pedra, cal e cimento.


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Crônicas hedonistas: comprando cuecas

“Preciso comprar cuecas”. Esta frase pronunciada em um domingo qualquer soa para alguns como um exercício contemplativo/ analítico de si.


Comprando cuecas, pois a elasticidade de algumas já foi perdida. Muitas delas já perderam a cor e o seu tecido já não é tão confortável assim, pois a rotina de uso e lavagens fez o tecido ficar imprestável.


Comprar cuecas é um exercício interessante, pois você faz uma escolha interessada sobre aquilo que você vai usar por debaixo da roupa. Quase uma segunda pele, que o interessado deve escolher a dedo. Muitos não se preocupam com isso. Pegam de olhos fechados ou deixam essa tarefa para suas mães/namoradas/esposas.


Comprar cuecas. Renovar parcialmente o guarda-roupa íntimo. Colocar novas cores, novos tons. Novos tecidos. Escolher aquela mais colorida, ou acabar optando por uma mais sóbria. De preferência entre o preto e o branco. Alguns preferem as tradicionais, seja a de “copinho” ou a “samba canção”. Os moderninhos gostam das “boxers”.


Renovar as opções marca o exercício de renovar as intenções sobre o que fazer com elas. Agradar alguém? Fazer alguma surpresa? Ser prático? Prezar pelo conforto? O que fazer?


No final das contas, talvez seja melhor não usá-las: muita gente não se pergunta a motivação real de usar uma roupa por baixo de outra. Seria bem mais simples não precisar formular tantas perguntas quando o assunto é pura e simplesmente uma cueca.

domingo, 4 de julho de 2010

Crônicas hedonistas: rejeição

A partir de hoje será publicado aqui um conjunto de textos curtos, cuja temática irá girar em torno de relacionamentos, da sexualidade e de muitas outras ideias compartilhadas comigo ao longo do meu trabalho enquanto professor. Essas visões serão reunidas em um conjunto de textos sob o nome de “Crônicas hedonistas”. O primeiro é sobre a rejeição.
...

Ser rejeitado(a) é odioso. Fato. Ao pensar na situação, geralmente, a primeira coisa que surge são perguntas. O que fiz para ser rejeitado? Não fui carinhoso? Não fui a pessoa mais interessante para aquele momento? Não ri das coisas que disse? Não acompanhei aquela dança como um exímio amante dos salões? O que fiz?


É comum fazer esses questionamentos sempre quando percebe-se que se tentou fazer de tudo para alcançar algo e, no fim, não se conseguiu. Ainda pior, quando o sentimento que costura todas essas questões são os de ser deixado à margem, como alguém que não fosse merecedor de atenção.


Olhei a noite toda pra ela como se ali estivesse a única coisa que importava naquele momento. Elogiei cada parte de seu corpo com riqueza de detalhes. Mesmo assim, a resposta para tudo isso era sempre a mesma: um “não” feito com a cabeça acompanhado de um sorriso amarelo.



De início, consegui ultrapassar um pouco as barreiras impostas. Insisti tanto que até consegui sentir seus lábios – e que lábios –, o suspiro profundo e a vontade, mesmo que bem escondida, de estar ali. Sentia-se arrepiada. Suspirou várias vezes com as minhas investidas. Mas, parecia que não queria ir além. Parecia que havia algo que fazia com que outro passo não fosse dado. Parecia que havia algo, ou talvez mesmo alguém, que a limitava feito âncora, de aproveitar plenamente aquele momento.



Eu estava ali, entregue. Não sentia a mesma coisa nela. Ao lado tínhamos a referência do oposto do que se passava conosco. Eles estavam ali, entregues um ao outro. Risonhos, eles brincavam de tudo e de todos, inclusive de nós. De estarmos ali, ainda de roupas, conversando...



O mais surpreendente foi o que aconteceu logo em seguida: ela dormiu. Dormiu profundamente, ou fingia tal gesto. Agarrou-se em mim como se tivéssemos acabado de transar, suados e cansados. Dormiu simplesmente. Ao perceber aquilo a ficha caiu. Sabia que a noite acabaria daquele jeito. Dormiríamos, acordaríamos mais tarde e cada um iria pra sua casa.



Mas não foi assim que as coisas aconteceram. Ao contrário dela eu não consegui pregar os olhos. Com um mix de frustração e litros e litros de cafeína e whisky, passei a noite inteira acordado. Confesso que nunca havia passado tanto tempo assistindo a CNN. Tomei um banho demorado e bebi o resto do whisky com energético.



Cheguei a conversar algumas vezes com os outros amigos e eles também não conseguiam entender aquela situação. Ora, todos estavam se divertindo ali. O que acontecia com esses dois? Muitas vezes quando digo aos mais chegados que existem certas situações que só acontecem comigo.



Finalmente a manhã chegou e com ela o momento mais feliz nessa jornada. Iríamos embora. Ela acordou e nem um bom dia ofereceu. Levantou-se e aguardou até o momento de ir embora. Ao levantar, eu já sentia os primeiros sintomas da ressaca (moral e física). O mau humor já tomava conta. Não fiz questão alguma de ser educado ou cerimonioso. Fechei a cara. Literalmente. Não fiz questão de esconder o meu descontentamento. O café da manhã chegou e permaneceu onde estava até todo mundo resolver sair e voltar pra suas vidas. Até então nenhuma palavra foi trocada. O último lance foi dado em um tímido beijo no rosto. Nenhuma palavra. Recebi com frieza e fechei a porta.



O mix de dor, impaciência, angustia e rejeição tomava conta de mim. A vontade era de gritar, xingar. Denunciar ao mundo aquele episódio. Talvez a melhor pedida seja falar. Falar insistentemente. Exorcizar essa sensação que inebria a vontade de se relacionar com alguém. A ressaca passou, mas o nó perdura. Por que rejeitar? Por que não ser clara e dizer o que pretendia ou o que não pretendia?

...

A rejeição entre nós é silenciosa. Ela não está contida única e exclusivamente na força física, ou em algumas palavras ditas em uma discussão. Ela está nos gestos. Naquilo que é dito, mas também naquilo que não é dito. Em um olhar, em um beijo mal dado. Um não-beijo que só confirma o não-desejo e o afastamento. Na gestualidade dos casais no momento em que se cortejam. No silêncio dos relacionamentos.

Ser rejeitado é não ser bem-vindo.